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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Futebol e amor

Estava lendo outro dia as crônicas do David Coimbra no site do Clicrbs, e me deparei com o texto “Sexo, sexo, apenas sexo!”, onde ele defende a idéia de que as mulheres não gostam que seus namorados, noivos e maridos saiam para jogar bola (principalmente de noite). Analisando as revistas femininas do consultório da dentista, ele descobriu a verdade: as mulheres só pensam em sexo! De início também achei uma graça ingênua na teoria Davidiana, mas acabei lendo todo o texto e, de fato, concordo plenamente com ele.
E, coincidentemente, eu jogo futebol todas as terças das 22h às 23h. Minha noiva já cogitou ir junto: “um dia ainda vou te ver”, me diz ela. “Pode ir, meu amorzinho”, respondo eu. Talvez por isso ela nunca foi. Olha só o que conta o David de um amigo seu:
“A mulher de um amigo meu chegava a ir junto. Era constrangedor. Ele se esfalfando na zaga, esbaforido, marcando os atacantes, e ela roncando no Fusca. Por que fazia aquilo? Por que não ia dormir no recôndito do lar, sobre a maciez do colchão de espuma? Só descobri quando vi as revistas”. E depois disso ele desenvolve a sua teoria, resumida no primeiro parágrafo, mas que vale a pena conferir no texto completo, no blog do David, no site do clic.
Por outra coincidência, nessa mesma semana em que li o texto, um amigo nosso apareceu lá no nosso peladão com a namorada. Só que ela não ficou dormindo no Fusca, como a namorada do amigo do David. Não senhor. Foi pior do que isso. Ela ficou sentada, sozinha, assistindo ao jogo. O resultado de tudo isso? O meu amigo não jogou absolutamente NADA. Não que ele jogue grande coisa, mas enfim, a bola realmente o mordia. Então, lembrei do livro Antropológica do Espelho, de Muniz Sodré. Pois é, aconteceu com esse meu amigo exatamente o que o Sodré citou que acontece com um arqueiro que disputa um prêmio. Pode parecer viagem, mas veja essa citação de Sodré, comentada pela minha pessoa:
“Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira, está com toda a sua habilidade” – ou seja, meu amigo quando joga sozinho, com os amigos, sem ninguém vendo ele, sem ninguém esperando nada dele além de um passe simples de lado, ele está no seu ápice. Ele acerta lançamentos milimétricos e chutes fora do alcance do goleiro. Enfim, ele é um Pelé. Segue: “Quando atira para ganhar uma fivela de metal, já fica nervoso” – quer dizer, se alguém já cobra dele um passe errado, se alguém fica gritando “toca! Toca!” enquanto ele avança sobre a defesa, ele já perde aquela habilidade natural. Ele passa a pensar duas vezes antes de colocar o pé na bola, o que resulta em um toque ou chute com menos confiança. “Se atira por um prêmio em ouro, fica cego ou vê dois alvos – está louco!” – essa é a situação de quando a namorada dele foi assisti-lo. Ele simplesmente ficou fora da casinha. Ele vinha com a bola, e jogava a bola na direção da linha de fundo e corria, corria, corria e corria, pensando que era o The Flash, o Euller filho do Vento, mas a bola corria mais que ele, e ele chegava na linha de fundo sem fôlego, e sorria um sorriso neurótico. Depois, ele roubava a bola do marcador, se emocionava, e eu sozinho do lado dele berrando “toca a bola! Toca a bola pô!” e ele nada de tocar a bola. Ele queria passar pelo meio dos adversários, queria fazer o gol que Pelé não fez, mas acabava perdendo a bola, e eu, que não sou de perder a paciência, acabava berrando “toca a bola cavalo!”. Mas ele não ouvia nada. Como disse o Sodré: estava louco. Ele só queria fazer um golaço, um gol de placa para ficar gravado para sempre na memória da namorada. Quem sabe para ela pensar que o fato de ele não ser um jogador profissional milionário, que deixa a dupla grenal para jogar em um país qualquer do Oriente não passa de uma ironia do destino, um azar da vida, uma injustiça do capitalismo e do famoso sistema de “você só entra aqui por Q.I.”. Sim, ele tinha capacidade e precisava provar isso a ela. Precisava marcar um lindo gol em homenagem a sua amada. Precisava matar o outro gladiador e dar a sua cabeça em uma bandeja para a princesa da sua vida. Ele precisava! E tentava, e tentava, e tentava, e eu e os outros já estávamos ficando loucos como ele, porque ele não tocava aquela maldita daquela bola, e tentava driblar, e nos contra-ataques nós levávamos gols atrás de gol, mas para ele não importava que o nosso time estava perdendo, só importava ela. E o pior é que ela piorava mais a situação e a cada erro do nosso amigo ela dizia “ah não Fulano! Eu não deixava! Beiiiiii!”. De início eu me solidarizei com ele, e tentava tocar a bola para dar a chance dele mostrar para ela que era de fato um craque vítima do destino azarento. Mas com o tempo desisti, e acabei resmungando “assim não dá, pô!”.
A loucura do nosso amigo chegou a tal ponto, que numa dividida normal dentro da área, ele pegou a bola com a mão e colocou na marca do pênalti. Todos ficaram atônitos olhando, o pobre do zagueiro do outro time, que por sinal é policial militar, ficou embasbacado, e ainda arriscou a perguntar: “o que foi?”. Ele não respondeu. Sua loucura não deixava ele responder. Ele só fitava o pobre do goleiro, como um psicopata olha para a sua vítima antes de estripá-lo. O goleiro o fitou de volta, com os olhos arregalados, como se perguntasse “o que esse louco vai fazer comigo?”, e ele correu em direção a bola e bateu forte, no canto direito, e dessa vez, a bola entrou. Ele comemorou o gol como uma criança. Foi uma cena comovente. Ninguém teve coragem de dizer ao nosso amigo que não foi pênalti. Deixamos ele ser feliz. E naqueles breves segundos, ele foi um jogador de futebol muito feliz. Foi sim.
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Ah, e por sinal, eu fiz quatro gols nesse jogo. Com isso, contando todos os jogos que já disputei na minha vida, estou com 977 gols. Ou seja, faltam somente 23 para chegar ao gol mil! Tenho todos eles anotados em vários bloquinhos, inclusive os goleiros que sofreram os referidos gols, que podem servir de prova para esse feito histórico. Meu objetivo é chegar ao gol mil até o final do ano. Aguardem.

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