O natal que durou 16 anos
- Pai, a mulher não vai fechar a padaria?
- Já vai.
- Pede pra ela ir lá fechar a padaria?
- Não dá.
- Por que não dá?
- Porque não.
- Que horas ela fecha a padaria, pai?
- Daqui há pouco.
- Falta muito?
- Não.
Mas a maldita mulher nunca fechava a padaria. Já eram quase sete horas, e eu estava ali, com a cabeça sobre os braços e os braços sobre a sacada, com os olhos revirados, quando vi aquela criatura morena de cabeços crespos saindo da padaria.
- Pai, vamos lá, ela ta fechando a padaria!
E lá fomos nós. Eu, o pai, e a mulher da padaria.
Alguém me deu uma caixa para colocar o meu presente. Eu fui no banco de trás do carro, olhando aquela caixa, imaginando o meu presente dentro dela. Chegamos na casa da mulher da padaria. Era uma casa de madeira, amarela, com um murinho de tijolo na frente, mas não fechado, qualquer animal podia entrar e sair do pátio a hora que bem entendesse. Ela foi lá e disse:
- É esse aqui.
E me deu meu presente. Coloquei dentro da caixa e fui olhando ele. O diabinho não parava quieto, estava um pouco assustado. Chegamos lá, colocamos ele na sacada. Eu só queria ficar na sacada.
- Dudu, vem jantar!
E eu nada. Até que meu pai foi me buscar e me levou para jantar. Engoli a comida para voltar para a sacada. Ganhei os outros presentes, que a exemplo dos presentes que ganhei em dezenas de natais seguintes, não lembro da maioria, e voltei para a sacada. No outro dia, voltamos para Santo Ângelo. Ele veio dentro da caixa, enquanto eu, minha irmã e meu irmão brigávamos por um motivo qualquer, e minha mãe gritava e meu pai colocava a mão para o lado de trás do carro tentando achar as nossas pernas para biliscá-las. Mas não adiantava. Aquietávamos por alguns minutos, e o tumulto recomeçava, como era de costume. Saudades daquelas brigas.
Chegamos, já era noite. O meu presente estava dentro da caixa. Levei ele até o pátio, enquanto meu pai arrumava o lugar onde ele ficaria. Lembro-me como se fosse hoje que o Urso, nosso falecido pastor-alemão, começou a latir como um louco. O meu presente, no entanto, respondeu com um “grrrrr”, apesar de ter apenas um mês. Aliás, parecia um filhote em miniatura do Urso. A mesma pelagem. Marrom e preto. Era bonito. A minha madrinha tinha me prometido um lingüicinha, mas tinha me dado ele, que não tinha raça definida. “Grande coisa, é bem mais bonito que um lingüicinha”, justificava mentalmente. E hoje acrescento: e muito, mas muito mais esperto.
Depois desse dia, eu teria que escolher o nome dele. Primeiro escolhi Bistex, porque eu gostava de comer aqueles salgadinhos de fritar, que era Bistex, e sei lá porque cargas da água ele me lembrava os Bistex. Mas não pegou. Acho que passou uma semana, e vendo um desenho que passava na TV Cultura, onde um avião passava e todos apontavam para ele gritando: Jimbo! e decidi. O nome dele seria Jimbo. Na época, até ganhei uma camiseta da tia Narinha, azul marinho, em que estava escrito Jimbo. A camiseta não sei que fim levou, mas o adesivo que veio nela ainda está colado no armário do meu quarto.
Durante anos brinquei muito com o Jimbo. Lembro que certa vez peguei um monte de entulho que tinha ali no pátio, tijolos, pedaços de madeira, lenhas e tudo mais, e construí um labirinto no pátio inteiro. Larguei o Jimbo num lado para ver se ele achava a saída. Ele chorou um pouco, mas eu o chamava, e logo ele achou a saída. Na segunda vez eu o larguei, e ele foi reto para a saída. Muito esperto esse cachorro, pensei. Com o tempo ele também aprendeu a abrir o portão do meio do nosso pátio para passar para a parte da frente. Quando saía para a rua e na volta encontrava o portão fechado, ele ficava batendo no portão até que alguém abrisse. Quando o pai e a mãe saiam, eu colocava ele para dentro de casa, ele fazia a maior folia, subia no sofá, corria pela casa, e eu sempre inventava truques para ele fazer, como aquele, do labirinto. Depois, eu ensinei ele a sentar sobre as patas traseiras. Sempre que ele parava, eu dava um pedaço de comida. Em pouco tempo, quando ele queria comida, ele parava na frente da pessoa e sentava com as patinhas. Não foram poucos os “óóó” dos visitantes aqui de casa, principalmente das mulheres. Pena que eu era muito novo naquela época....
Outra vez, numa páscoa, eu, que adoro chocolate branco até hoje, só ganhei uma barra de chocolate branco no ninho que a minha mãe me deu. O pai estava capinando no pátio, eu por ali bocabertiando com a barra de chocolate na mão e o Jimbo correndo pelo pátio, como sempre. Numa das corridas, ele me pegou bocabertiando e roubou meu chocolate. Acho que dei umas chineladas no bicho, mas fiquei sem a barra de chocolate. Lembro ainda que lidei com a casinha dele. Primeiro coloquei embaixo de um pé de limão que tinha ali no pátio. Depois, o pai ajeitou ele num minúsculo galpãozinho que tem até hoje, onde hoje reside a Pretinha. Fiquei indignado. Aquele espaço era muito pequeno para ele. Fiz um vai-e-vem até o pé de limão para ele ter mais espaço.
O tempo foi passando, eu fui crescendo, e o Jimbo também. Sempre brincava com ele. De fato, ele me conhecia melhor do que a maioria das pessoas que já passaram pela minha vida. Certa vez, cheguei de uma festa com uma certa dose de álcool na cabeça, indignado. Fui lá fora, chamei o Jimbo, coloquei a mão no ombro dele e desabafei. “Só tu me entende!”. Minha irmã abriu a janela e viu aquela cena e disse: “pobre do Jimbo”. Mas ele me ouviu, ficou olhando com aqueles olhos de bolita, como se dissesse: “isso não é nada, isso passa, você vai conseguir!”. Acho até que ele falou algo como “au au au au au!”. Compreensivo, o Jimbo.
Mas, há uns dois anos atrás o Jimbo começou a enfraquecer. Não corria mais pelo pátio como antigamente. Não ia mais para a rua dar em cima das cadelinhas com tanta freqüência. Não puxava mais briga com a guaipecada da vizinhança. Não era mais o mesmo Jimbo. Até era, mas estava velho. E de lá para cá ele foi enfraquecendo.. enfraquecendo.. enfraquecendo... até que na última terça-feira perdi o melhor presente de natal que já ganhei. Perdi um dos melhores amigos que já tive. Perdi o Jimbo, 16 anos depois. Mas um dia ainda nos veremos, Jimbo velho...
3 Comentários:
Meus pêsames pela perda. Não sei como mas lembro de quando ele chamava Bistex. Ainda bem que mudou de nome.
Agora ele deve tá tomando umas com o cachorro do Bukowski.
Por Zaratustra, às 10 de julho de 2008 às 17:22
meu jimbeta eh o mellhor! lembra qdo tu colocou uma caixa pindurada nele com um pedra pra ele fazer exercícios.. e tu jah era velho! pobre cusco... viva o jimbo!!!
Por Carolina, às 11 de julho de 2008 às 13:23
só sei q foi o cachorro mais lindo q já vi na minha vida!!!! peludão, fofo, super, superinteligente!!! fica em paz, jimbeta linda!!!
Por Nara Miriam, às 13 de julho de 2008 às 16:20
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