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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sacanagem freudiana no ritmo On the road

Amigos, a história que vou narrar agora parece surreal, mas, juro, é tudo verdade. Na semana passada inventei de ir para Santo Ângelo. Tarefa aparentemente simples. Saí do meu apartamento aqui em Porto Alegre às 10 horas da manhã de quinta-feira. Cheguei em Santo Ângelo exatamente 20 horas depois disso, às 6 horas da manhã de sexta.
Agora, vamos aos fatos. Saí do Partenon rumo à estação do trem com destino a Sapucaia. Objetivo: ir de carona com meu sogro até Santo Ângelo. Tudo perfeito. Saí ás 10 horas, cheguei lá pouco antes do meio-dia. Almocei com ele e com os operários que trabalham na obra do Fórum do município. Por volta das duas horas da tarde, meu sogro, dois funcionários e eu, ganhamos a estrada, felizes da vida, rumo à capital missioneira! Abri o vidro da camionete para sentir o vento bater em meu rosto. Mais uma vez estava na estrada! Viva On the road! Viva Keroac! Viva Che Guevara e sua motocicleta maluca! Viva a carona!
Porém, em pouco tempo avistamos uma viatura da Polícia Rodoviária Federal. Se o que fizeram é certo ou errado, não sei, mas eis o que aconteceu, sem julgamento de valor ou acusações: a viatura nos seguiu por cerca de 40 quilômetros. Meu sogro ia dirigindo, mantendo o veículo a uns 90 km/h, reduzindo conforme o trecho, já para evitar incômodos. No entanto, os policiais fizeram sinal para que parássemos Meu sogro estacionou no canto da pista, e, antes dos policiais realizarem a abordagem, eles mexeram na parte de trás da camionete. Não sei o que fizeram. Não vimos. Eu ainda pensei “pô, estão mexendo em nossas coisas antes da abordagem”. Já estava imaginando eles abrindo a minha mala e se deparando com Guy Debod, Stuart Mill, Freud, Felipe Pena, Erico Verissimo, Nelson Rodrigues, todos eles dividindo espaço com minhas cuecas e meias sujas, em perfeita harmonia.
Depois disso, um deles bateu no vidro do caroneiro de trás, onde estava sentado o Alemão, e pediram para que ele baixasse o livro. Dali, começou a fazer perguntas para o meu sogro, do tipo, de onde vínhamos, para onde íamos, etc. Quando meu sogro desceu, outro policial começou a nos perguntar o quê um era do outro. Tratei de dizer que o motorista era meu sogro, e os outros dois eram funcionários. Pela cara dele, nossas explicações não convenciam. Mandaram a gente seguir para o posto da PRF mais próximo. Lá fomos nós, até o tal do posto Tabaí/Canoas. Chegando lá, meu sogro desceu para conversar com um dos policiais e logo voltou dizendo que os policias queriam apreender a camionete porque a placa estava sem o tal do lacre. Cadê as câmeras? É pegadinha? Cadê o Ivo Holanda? Cadê o Serginho Malandro?
Descemos todos da camionete. Enquanto meu sogro estava dentro da casinha dos policiais (sei lá como se chama aquela joça), outro deles soltou dois cães farejadores que estavam em um canil. Um dos guaipecas mijou no pneu da camionete, descaradamente. Fiquei calculando se o desgranido ia farejar o Freud e minhas cuecas sujas. Já pensou, o policial diria “aha!” e abriria minha mala e daria de cara com a “A sexualidade feminina” enrolada em uma cueca suja e meu humilde livrinho com meu conto da Nescafé embalado em uma meia com cheiro adocicado de chulé.
Dentro de pouco tempo, meu sogro voltou de lá dizendo que realmente iriam levar a camionete. Fomos de carona com o guincho até um lugar que, não tenho certeza, parecia ser o Detran, como de fato acho que era. Não manjo muito bem essas paradas de órgãos fiscalizadores de veículos, mas enfim, para nos liberar, um pessoal iria lá colocar o maldito lacre na camionete, e, depois disso, todas essas ações hiper, mega, ultra-racionais precisavam entrar no tal do sistema, tão rápido quanto o Chapolin Colorado. Sempre o sistema. Eram quatro horas da tarde, e o postinho fechava às cinco, ou seja, tínhamos uma hora para isso. O problema é que, além do lacre, eles teriam que fazer toda uma checagem no veículo. Que cosa. Esse é o Brasil! Fiquei calculando quantos carros roubados devem passar por lá por dia, e eles param, atacam, acusam indiretamente e apreendem o veículo de três sujeitos que estavam trabalhando e de um estudante pobre com livros do Freud e da Nescafé na bagagem.
Como era esperado, não deu tempo, e tive que retirar minha mala do veículo com vários pensadores dentro dela. Além das cuecas e meias, óbvio. Bom, o plano então era o seguinte: os dois funcionários e eu iríamos até Lajeado pegar o ônibus para Santo Ângelo. Ou melhor, primeiro pegaríamos um ônibus daquele lugar para Lajeado, algo em torno de 45 quilômetros. Para piorar a situação, eu estava sem dinheiro e durante a semana havia perdido o meu cartão do banco na Feira do Livro (não sei como e nem porquê, pois não comprei nenhum livro, mas enfim). Sobrou, então, para o meu sogro. Mas, antes de me condenarem, ele será recompensado futuramente com garrafas de vinho de Bento...
Enfim novamente, lá seguimos nós, rumo ao maravilhoso mundo da rodoviária de Lajeado. Não vou contar tudo que rolou lá, até porque as coisas foram um tanto paradas, mas em resumo, joguei quatro partidas de sinuca com o Alemão num boteco na frente da rodoviária (ganhei uma e perdi as restantes no detalhe e na sorte do meu oponente), assisti a Bahia 1x0 Vila Nova, Novo Mundo 0x4 Santos (futebol feminino) e River Plate 2x1 LDU. Bom, faltou dizer que no boteco tocava uma música sertaneja típica de zona, a mil, e quando estávamos lá a minha noiva ligou:
- Oi amor, que horas tu chega?
- Às seis da manhã – respondi.
- Por que???
(expliquei o que havia acontecido depois das cinco, pois tinha passado o último boletim telefônico quando ainda tínhamos esperança de sermos liberados).
- E onde tu ta agora?
- Eu? Er... Na rodoviária de Lajeado – disse, enquanto o Alemão encaçapava a bola cinco – Putz!
- O quê?
- Putz, só tem ônibus às cinco pra meia-noite...
E a música rolava ao fundo. Contei a história depois, quando cheguei, mas ela disse que não chegou a ouvir o fundo musical. E, lá por volta das sete, ainda conhecemos um cara super-gente fina. Agora não tenho certeza, mas acho que o nome dele é Paulo. Ele teve que ir para a rodoviária cedo, pois morava em uma cidadezinha ali perto e tinha que esperar o mesmo ônibus que nós para ir até Ibirubá. No fim, acabamos conversando tomando umas Skóis como se fôssemos amigos há décadas. Para terminar: cheguei em casa realmente às seis da manhã, mas o restante do final de semana valeu todo o sacrifício. O pior aconteceu com meu sogro, que só conseguiu ser liberado definitivamente no sábado.
Chegando em Porto Alegre ontem, iniciou o projeto do MIT (parceria entre PUC e RBS) e hoje apresentei e entreguei trabalhos o dia inteiro e só agora, onze e pico da noite, consegui sentar, abrir uma latona de Nova Schin da promoção e escrever essas simples linhas...

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