Lula – Biografia – Volume 1
Terminei de ler o primeiro volume da
biografia do ex-presidente Lula com um mix de opiniões e sentimentos. Vou
tentar organizar essa miscelânea de pensamentos, primeiramente, contando muito
resumidamente a divisão da narrativa. Fernando Morais, um dos maiores
escritores da literatura brasileira, dedica as primeiras 160 páginas para
contar sobre a prisão de Lula, em toda a sua particularidade e complexidade. Ou
seja, só esse episódio já renderia um livro de mil páginas a parte, então, em
determinados trechos ele contextualiza a Vaza Jato de forma mais ampla e, em
outros, ele narra os momentos específicos que antecederam a prisão e o
cotidiano de Lula na cadeia em Curitiba até ele conquistar a liberdade. Nas
páginas seguintes, há uma longa narrativa, com destaque para atuação de Lula no
sindicalismo até a criação do PT, mas que inclui a infância e adolescência do
personagem e todo o drama familiar que engloba agressões pesadas de seu pai,
trabalho infantil, fome, pobreza e tudo o mais. A história toda vai até a
eleição de Lula como deputado, antes da campanha presidencial de 1989. Morais
conta no posfácio que o volume dois vai tratar das três derrotas (uma para
Collor e duas para FHC) e das duas vitórias (2002 e 2006) nas campanhas
presidenciais. Aguardemos.
Antes de falar sobre as minhas
opiniões e sentimentos, gostaria de ressaltar que a biografia de Morais dá um
soco no estômago nos slogans preconceituosos que foram colados na testa de
Lula. Primeiro: a fama de analfabeto. Lula estudou até o quinto ano e, parou,
para trabalhar. Na fábrica aonde trabalhava, fez um curso de torneiro mecânico,
profissão que exerceu nos anos seguintes. Ou seja, ele não era analfabeto no
sentido em que as pessoas queriam que ele fosse: o de não saber ler, nem
escrever. E, segundo, ele trabalhou dos 8 aos 38 anos, ou seja, ele não foi um
cara escorado no sindicalismo e que depois passou a “viver de política”. Em
outras palavras, aquelas frases toscas como “Lula é analfabeto” ou “Lula nunca
trabalhou” são lorotas para boi dormir. Outro ponto importante é o drama da
perda do dedo, que foi um acidente de trabalho que ocorreu justamente pelo
cansaço de seu colega. Lembre-se disso quando ouvir algum animal falando algo
como: “O vagabundo analfabeto de nove dedos”.
Dito isso, vamos às considerações.
Primeiro, jornalisticamente. Confesso que quando acabei de ler fiquei com
aquela sensação de, pô, a história por si só já é espetacular, o Fernando
Morais não precisava ter sido tão engajado politicamente na porra toda. No
entanto, agora de noite, vendo os comentários em uma notícia sobre protestos
pela volta às aulas presenciais em um instituto federal de Pelotas, em que
pessoas alienadas e bolsonaristas acéfalos defecam nas redes sociais todo o seu
ódio por professores, pesquisadores e intelectuais, eu voltei atrás e concluí:
sim, Fernando Morais acertou em se engajar na narrativa desconstruindo os
preconceitos que foram colados à imagem de Lula por uma elite decadente ao
longo de décadas. Inclusive, há um apêndice interessante na obra em que Morais
apresenta uma pesquisa sobre as horas/páginas dedicadas pelos grandes veículos
da mídia brasileira para condenar Lula moralmente antes da aberração da Vaza
Jato. Nada de novo, afinal, como conta Morais, o ex-presidente passou por
perseguições semelhantes nos seus primeiros anos de política, inclusive, sendo
preso pela ditadura militar do período.
Terminada a leitura, ainda pesquisei
no Google as reportagens sobre as condenações de Lula – tanto da época, quanto
as de agora, sobre a anulação das provas de Moro. Para mim é tudo muito
simples: pega-se os argumentos/provas da defesa de Lula (muitas são citadas no
livro), pega-se os argumentos/provas da acusação (que, bizarramente, inclui o
próprio juiz do caso, o político Moro) e se faz a relação entre os argumentos/provas.
Simples. Reli as “provas” que justificariam a prisão do Lula e confesso que ri sozinho, no sofá.
Claramente não há nenhuma prova clara e documental. Há indícios, sendo que
muitos poderiam ser facilmente produzidos pelas autoridades/acusadores,
especialmente em um país como o Brasil, onde a polícia coloca arma na mão de
defunto para dizer que matou em uma “troca de tiros com a polícia” (ver Rota
66, de Caco Barcelos). E, obviamente, tudo fica mais claro quando se tem um juiz
que combina com a acusação as estratégias para condenar o réu (conforme provou
o Intercept Brasil, em uma das grandes reportagens mais importantes desse
século) e esse mesmo juiz vira, primeiro, ministro do governo eleito graças a
decisão dele, de tirar Lula das eleições de 2018, e que, para piorar, vira
candidato à presidência contra o próprio réu (Lula) em 2022!!!! É surreal
demais para ser verdade.
Então, concluo dizendo que, por um
lado, essa não vai ser a biografia definitiva de Lula, tendo em vista que, sim,
percebe-se um comprometimento do autor com o biografado (o que
jornalisticamente é ruim). Creio eu que uma biografia de Lula mais fiel à
realidade pode ser escrita daqui à 40 ou 50 anos, com outro jornalista, mais
isento, utilizando os dois volumes escritos por Morais como fonte, mas
acrescentando episódios e informações que, mesmo quando folclóricas, foram
deixadas de lado numa tentativa (ao que me parece) de não denegrir de forma
alguma a imagem do biografado, que é ainda candidato à presidente. Sendo mais
claro: sim, o livro de Morais peca, nesse sentido, por deixar claro – para os
leitores mais atentos – que havia uma preocupação em não mencionar nada que
pudesse comprometer a imagem de Lula, até porque o lançamento do livro ocorre
em ano eleitoral... E, para ser mais claro ainda: sim, é uma biografia que
mostra apenas um lado da moeda (não no sentido de honestidade ou corrupção, mas
no sentido de que ninguém é perfeito) e, espero eu, como disse, daqui a algumas
décadas algum bom jornalista, como o Morais fez com Chatô e outros, possa
escrever olhando a história de Lula de fora e sob todos os ângulos e sem se
preocupar se vai desagradar ele ou não. Até porque, de certa forma, sabe-se que
ficou um sentimento de gratidão à Lula por parte do autor, pois ele dependeu do
consentimento do ex-presidente para ter acesso à sua vida, tanto em
entrevistas, quanto em testemunhos de acontecimentos importantes para a
história do personagem.
Para finalizar, colocando tudo na
balança, entendo as “falhas” de Morais, pois esse foi um livro necessário no
momento em que vivemos, afinal, é importante separar o joio do trigo e colocar
os pingos nos is. E, para o futuro do país, temos de um lado uma possiblidade
de voltarmos a ter esperança com Lula governando pelas reposições salariais,
pelo acesso à comida, à educação, enfim, ao capital e aos serviços, e de outro
um maluco de atirar pedra e outro que, claramente, trocou a toga pelos
holofotes e que não pode ser levado a sério pelas manchas que deixou na sua
bizarra atuação no próprio judiciário. Ou, se preferirem, posso resumir tudo
em uma palavra e um número. Se antes eu só achava, agora tenho certeza: é Lula
2022!
Hasta!
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