O retorno
Hoje mesmo estava pensando nisso: na verdade o que somos nós, fisicamente falando, além de ossos, sangue, carne, genitais e fezes reunidas num saco de pele? Uns 10 dias atrás quebrei o meu nariz jogando bola e pensei sobre essa fragilidade. Estamos inteiros e, de uma hora pra outra, POW, uma paulada e ficamos quebrados e perdemos nossas capacidades vitais, de movimentação e raciocínio pouco a pouco.
Pois é, já faz alguns dias que queria escrever sobre o meu nariz quebrado. Depois de umas três semanas afastado das quadras, voltei a jogar com meus ex-alunos da UFPEL. Na verdade era para ser um jogo do time do Jornalismo contra outros caras, mas foi tanta gente que acabamos dividindo o pessoal em três times. Quando eu comecei a me inspirar, numa dividida com um cara que eu não conhecia, POW, bati o meu nariz no ombro dele. Na hora vi que tinha quebrado e só esperei vir o sangue. Em pouco tempo estava com a cara ensangüentada. O que era para ser só um joguinho acabou virando uma ida ao hospital. Meu ex-aluno, Matheus, me levou para o Pronto Socorro e, por coincidência, meus pais estavam nos visitando em Pelotas. Liguei para o pai, que foi até lá. Mas antes disso, teve a chegada no hospital:
- O que houve? – perguntou a mulher da recepção.
- Acho que quebrei o nariz jogando bola.
- Você tem o cartão do SUS?
- Não – respondi, querendo dizer “não, mas serve esse naco de nariz?”.
- Tem que ter o cartão do SUS... nome?
E assim seguiu o interrogatório, com ela indignada por eu não ter o cartão do SUS. O saguão estava lotado: grávida passando mal, cara de pé quebrado, criança chorando, mulher sendo abanada pelo marido, enfim, um circo dos horrores que está lá todos os dias esquecido pelos políticos e seus médicos particulares e pela imprensa, que acha esse absurdo a coisa mais normal do mundo. Estava eu sentado, mexendo no meu nariz dum lado pro outro, quando meu instinto de professor de jornalismo acabou falando mais alto. Olhei para o meu aluno e disse: “quando não tiver pauta, é só vir aqui”. Ele concordou.
Então meu pai chegou e, ou porque acharam que meu caso era urgente, ou porque não havia tanta requisição de pacientes com fraturas, chamaram logo meu nome. O cara que me atendeu era cirurgião dentista (fui descobrir isso pouco depois, mas me atendeu super bem). Contei o que aconteceu, ele deu uma mexidinha no meu nariz, e disse:
- Bom, vamos fazer o raio X. Mas a princípio você tem duas opções: ou colocamos o tampão ou marcamos uma cirurgia.
- Co-como assim?
- O tampão é o seguinte: te damos uma anestesia local, que é umas cinco injeções no rosto, duas aqui, duas aqui e uma aqui no meio dos olhos – disse, mostrando os locais – e aí colocamos um negócio, que é tipo um cadarço, que vai ficar dentro do seu nariz por uma semana. Depois tira e está tudo ok.
Comecei a suar frio.
- E a outra opção?
- A outra, você marca um dia para fazer uma cirurgia com anestesia geral. Aí você apaga, arrumamos tudo, você não vê nada e acorda com o negócio pronto.
Putaquepariu. Fiz ele explicar de novo umas cinco vezes as duas opções. Era o legítimo “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Olhei para o meu pai e perguntei:
- E aí?
- Tu que sabe. Acho que é melhor fazer agora.
Fiz o raio X e entreguei para o médico-dentista, que perguntou:
- E aí, decidiu?
- Não dá pra deixar assim não?
- Até dá, mas tem a questão estética, ou seja, você vai ficar com o nariz torto, e tem a de saúde mesmo, pois você provavelmente terá problemas respiratórios.
Fiz ele explicar novamente e com mais detalhes as duas opções, até que decidi:
- Então vamos fazer agora.
Deitei na maca. Começaram com as anestesias dentro da boca, uma em cada canto, depois duas na bochecha, uma na ponta direita e outra na ponta esquerda, e depois uma entre os olhos. Ou seja, levei injeção na testa (e de graça! Alguém quer?). Depois que começou a fazer efeito, sentei na maca, ele parou na minha frente, com uma guria, estagiária, que ficou me olhando com os olhos arregalados, mas como se estivesse adorando aquilo tudo. Era estranho ter uma guria tão vistosa como aquela me observando com tal interesse! Senti orgulho do meu nariz. O cara empurrava a minha fuça para um lado, para o outro, e perguntava para a guria “está reto?”. Ela olhava, botava a mão no queixo, e dizia “acho que um pouco mais pra cá”. Eu ali, parado, vendo mexerem na minha cara como se eu fosse um boneco. Dali a pouco chamaram meu pai.
- Olha só. Você que conhece ele desde que nasceu: está reto?
O pai franziu a testa e disse, de forma não muito convincente:
- Acho que ta.
Na verdade creio que o pai queria mesmo era ir pra casa dormir, pois o jogo começou a meia noite, então, isso tudo ocorreu por volta das duas e meia da manhã.
Foi então que recebi a boa notícia. Não precisaria colocar o tampão. Só precisaria cuidar para não bater o nariz em nada por uma semana, até a reavaliação, que foi feita ontem, e está tudo ok.
Bom, fiquei tanto tempo sem escrever aqui que acho que me empolguei. Mas pouco importa, pois, como os leitores são imaginários, e eu é que mando na bagaça, eles leram tudo até o fim.
Hasta!
6 Comentários:
ah tah um dentista arrumou teu nariz? uhhh...tem q fazer o cartão sus, mas ele não podem deixar de te atender sem o cartão! eu e fosse tu aproveitava para plastificar o narizote!
Por Carol, às 30 de março de 2013 às 16:20
Eduardo, este post foi um bálsamo para mim. Depois de tanta tragédia, como assassinato de criança e ônibus caindo de viaduto, me desculpe, mas chorei de rir com o seu caso, pela maneira que vc relatou. Se não fosse jornalista, poderia se comediante.
Por Scarlet, às 3 de abril de 2013 às 20:07
Continue postando, pelo menos duas leitoras vc tem ( brincadeirinha). Uma correção: ser comediante.
Por Scarlet, às 3 de abril de 2013 às 20:14
\porrs alemao!
Por Zaratustra, às 7 de abril de 2013 às 17:32
Pelo menos um tu tem, né?
porra alemão.
Por Marcos, às 8 de abril de 2013 às 07:53
Pô, professor. Eu leio. E isso não é um modo (fácil) de ganhar nota, afinal não é mais nosso professor da UFPel, o que lamento profundamente.
Vais aos "Estates"? Aproveita e mija na estátua da liberdade por mim. haha
Por Pedro Henrique Krüger, às 22 de maio de 2013 às 20:45
Postar um comentário
<< Home