Quem matou o espetáculo?
Há muito tempo atrás, os ingressos para qualquer jogo em território nacional eram vendidos a preços populares. Algo como R$5 reais a velha e boa coréia do Beira-Rio ou a recém finada geral do Grêmio. As arquibancadas eram algo como R$15, sociais R$30 e cadeiras de R$50 pra cima. Sob o ponto de vista econômico, estou chutando, mas ficava mais ou menos nisso. E o que se tinha nos estádios? Torcedores, meus amigos. Centenas, milhares de TORCEDORES. Pessoas comuns, que recebiam um salário mínimo ou pouco mais. Pedreiros, porteiros, zeladores de prédio, seguranças de bordéis e até desempregados. Pessoas que tinham na ida ao estádio de futebol uma de suas poucas diversões. E lá, no cimento dos velhos estádios, esse torcedor dava espetáculo. Exibia seu repertório de palavrões aos berros. Chamava as mulheres que ousavam invadir o seu espaço, no mínimo, de “gostosa” e “piranha”. Vendia-se cerveja nos estádios, meus amigos! E os jornalistas podiam entrevistar os jogadores dentro do vestiário! Vejam vocês!
Agora não existe mais nada disso. Ao invés de receber torcedores, os estádios hiper-modernos, as arenas, recebem público. Espectadores. Cidadãos de bem e sem graça. Zumbis semi-mortos. Ao invés de receber o pedreiro, o gari, o panfleteiro descarado, os estádios recebem os doutores, os médicos, os juízes, os funcionários públicos que mamam nas tetas do governo. Eles são gordinhos, tem as carnes flácidas pela falta de exercício e usam as camisas oficiais dos times que custam R$200. E quando ousam gritar, parecem umas moças envergonhadas. E por que tudo isso?
A resposta é simples. Tudo isso é em nome do próprio espetáculo! Quer algo mais contraditório do que manter o espetáculo através de um anti-espetáculo. Trocou-se o torcedor que canta e dá show por um gordinho almofadinha que senta numa cadeira confortável e come cachorro-quente com Coca- Cola enquanto assiste ao jogo. Colocam-se dezenas de câmeras no estádio para filmar esse torcedor sem graça de todos os ângulos possíveis e imagináveis! Exclui-se do espetáculo os verdadeiros promotores do próprio espetáculo.
Pois é, meus amigos, o espetáculo morreu. E sabem quem matou o espetáculo? Pois eu lhes digo: o próprio espetáculo. A vontade de transformar o espetáculo em um hiper-espetáculo futebolístico, matou o próprio espetáculo.
Ou seja, o espetáculo se suicidou. No próximo jogo, teremos um minuto de silêncio.
Hasta!
*Texto publicado no JM do próximo sábado.