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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Sentimentos ocultos

As coisas deveriam ser simples, não? Você planeja, esboça, treina, se prepara, imagina e, no fim, tudo teria que ocorrer conforme o esperado, concorda? O pênalti deslocando o goleiro, a entrevista de emprego, o artigo submetido para a revista Qualis A, a cantada infalível, a defesa da tese de doutorado, o encontro perfeito, o beijo inesquecível, a cobrança de falta na gaveta, o casamento com a princesa/príncipe dos sonhos... Todos os dias, tentamos resolver as nossas vidas em planos meticulosamente elaborados, seja caminhando por duas horas na beira da praia, olhando as ondas se quebrando incessantemente, seja no banho ou numa conversa com alguém que pode estar cara a cara ou do outro lado do computador no outro lado do mundo. Tudo fácil e simples: vou fazer isso e aquilo e o mundo vai girar totalmente conspiratório da maneira como eu quero. Entretanto, como diria o finado Garrincha, só falta combinar com os russos (os outros).
Aquele olhar penetrante, encantador, apaixonante, que imaginamos ser para nós, na verdade é para outro. Aquelas palavras envolventes, sedutoras, apaixonantes, na verdade, raramente são elaboradas quando pensadas na gente. Aquela boca linda, cativante, arrebatadora, que parece tanto querer um beijo, na verdade, não quer o seu beijo. Aquele cabelo preto, que esconde os cachos dourados, na verdade não está sendo primorosamente embelezado para os seus olhos, mas sim, para o olhar do príncipe encantado, tão aguardado, e que não é você. E o que fazer quando se descobre que aquele sentimento que você sente não condiz em nada com o que você imaginava que pudesse ser algo recíproco? Nada. Ou melhor, quase nada: a única coisa que se pode fazer é sugar toda a energia positiva e mágica desse amor meio Charlie Brown para o fundo do pulmão e do coração e expirar tudo aquilo que você gostaria que fosse, mas não é, para os ares. E, depois de fazer isso inúmeras vezes, com tudo aquilo que foi lançado para o seu interior, você apenas transforma toda essa energia em inspiração e, então, você não será a princesa ou o príncipe encantado da pessoa desejada naquele momento, mas sim de outros, que serão ainda mais amados e desejados com a energia acumulada. Uma viagem, não?
É numa viagem dessas que, vez em quando, eu e você e todo mundo embarca. Se as coisas fossem simples como gostaríamos que fossem, eu diria tudo o que sinto cada vez que te vejo, cada vez que converso contigo como se fosse só mais um amigo querendo ser muito mais do que um amigo, e você adoraria isso e também falaria tudo o que sente por mim e confessaria que sente um friozinho na barriga cada vez que me vê e que nossos olhares se cruzam, e eu admitiria que sonho com o momento de aproximar os meus lábios dos teus todas as noites, especialmente em noites chuvosas, como essa de agora, em que gotas e mais gotas caem do céu, produzindo um barulhinho gostoso, que me dá mais vontade de te ver, de conhecer mais de perto o teu cheiro, a tua mente, o teu coração. Mas, é tarde, e precisamos dormir. Portanto, desejo-lhe boa noite e, em segredo, sabendo que nunca terei coragem para lhe dizer o que sinto, envio um beijo aos céus, com a esperança que algum anjo que esteja passando pegue e leve ao endereço certo para que você reconheça em mim todo o sentimento que gostaria de poder expressar ao pé do seu ouvido, em sussurros e beijos, que provavelmente nunca vão acontecer.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Péssima companhia

Esses dias, estava na casa da minha mãe, em Xangri-lá (RS), que fica a uma quadra e meia do mar, e resolvi convidar as pessoas do recinto para ir para a praia, ao meu estilo, como fazia nos tempos de graduação universitária:
- Estou indo, quem quiser me acompanhar, que vá. Quem não quiser, que fique aí catando coquinho...
Ninguém deu bola. Juntei uns latões de Polar num isopor cheio de gelo e repeti:
- Última chamada, estou indo pra praia, quem quiser ir comigo, é só chegar.
Nada. Dei mais uma chance:
- Ok, quem quiser chegar lá depois, vou estar lá, sentado, com a minha cerveja.
Nada de novo. A minha pequena Lary estava deitada, olhando desenho, e fazendo onda. Os avós estavam preocupados em atender às ondas da Lary. E a patroa estava tomando sol no pátio, desejando boa sorte na minha curtição na areia do litoral gaúcho. Ok, chamei a Nune (cadela que mora com meus pais).
- Vamos Nune. Vamos eu e você.
Abri o portão e partimos. Andei uma quadra e, faltando 100 metros para chegar na praia, olhei pra trás e nada da Nune. Filha da puta, até ela me abandonou. Estava sozinho: eu, a cadeira de praia, o radinho de pilha velho de meu pai e os latões de Polar dentro do isopor.
Achei um canto, bem de frente para o mar, coloquei a cadeira velha de abrir, sentei-me, abri o primeiro latão de Polar e liguei o radinho de pilha. Só pegava uma emissora de rádio: Xangri-lá FM. Estava eu, estendido na cadeira, bebericando a minha cerveja, observando as peles e carnes sumarentas que passavam por ali, quando começou a tocar: “Jesus Cristo... Jesus Cristo.. eu estou aqui!”. Caralho. Eu estava lá. E Jesus Cristo não estava nem ai pra mim. Fiquei sentado, observando as ondas, um bom tempo, abrindo latinhas, bebendo, refletindo, lembrando de histórias antigas, projetando histórias futuras, pensando na babaquice de quem não sabe curtir a vida (“vamos pedir piedade, Sr. Piedade... pra essa gente careta e covarde...”), filosofando mentalmente sobre a humanidade, tudo isso enquanto observava as pessoas ao redor: um cara sarado tomando banho de sol, uma coroa com cinco garotonas se bronzeando (filhas? netas?), outra avó ajudando a netinha a pescar, etc....
Ao ver uma guaipeca branca passando pela minha frente, lembrei-me do Fabiano, de Vidas Secas, que teve que matar a cadelinha Baleia achando que estava doente e louca. Fez certo? Não sei.
Imaginei o Graciliano Ramos sentado em uma cadeira imaginária ao meu lado para discutir algumas decisões literárias dele... Eu, por exemplo, não mataria a coitada da Baleia. E daria um destino melhor para a família de Fabiano. Gostaria de ouvir o que Graciliano teria a dizer sobre as minhas ideias. Se fosse uma discussão com o Bukowski, ele diria: “foda-se, problema é teu se não gostou”. Mas o educado Graciliano, penso eu, sentado ao meu lado, de frente para o mar em Xangri-lá, discutiria o assunto. Bolei um diálogo imaginário, que já esqueci, e ao ver mais umas nádegas pelancudas passando na minha frente, decidi que era hora de retornar para a base. Sozinho. Ninguém foi lá. Nem a Nune. O que me fez concluir que, definitivamente, sou uma péssima companhia.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Prazer, Dr. Erico Verissimo

Completamente suado, devido ao esforço e ao calorão de janeiro no nordeste do Rio Grande do Sul, estou praticamente terminando mais um artigo sobre as narrativas de viagem de Erico Verissimo. Lembro-me que quando o meu orientador de mestrado, Antonio Hohlfeldt, sugeriu que eu fizesse a minha tese de doutorado sobre as narrativas de viagem do Erico, pensei que não havia pano pra manga para escrever um trabalho de mais de 200 páginas sobre o assunto. Agora, escrevendo um artigo para cada um dos quatro livros de viagem produzidos pelo escritor cruz-altense, percebo que não só dá pano pra manga para 200 páginas, como pra 400, quiçá, 500. Concordo totalmente com um artigo publicado pelo próprio Hohlfeldt: os livros de viagem do Erico são bons demais e são, injustamente, tratados como literatura menor do que os romances escritos por ele. Mas, não é sobre o artigo que quero comentar aqui, mas sim, sobre o processo que envolve a produção-circulação do paper.
Comecei a escrevê-lo pensando em enviar para o Intercom Sul (quem não conhece, pesquisa no Google). No entanto, como o período de envio de trabalhos para a Compós (idem) abre e termina ainda em tempo de enviar trabalho para o Intercom Sul, resolvi arriscar: estou fazendo um trabalho mais aprofundado (porque os textos para a Compós são maiores) e, caso não venha a ser aceito (o que acho que vai acontecer) vou enviar uma versão reduzida desse mesmo artigo para o Intercom Sul. Entenderam? Não? Bom, então releiam o parágrafo prestando atenção que eu não vou desenhar. Só desenho para a Larissa...
Esse é um dos caminhos para as publicações do fantástico mundo da Capes. No entanto, por que eu não acredito que meu artigo será aceito na Compós? Simples, não acho que o tema vá interessar aos avaliadores. Penso que eles pensam que sou um louco fissurado na obra de Verissimo e que não tenho mais o que fazer além de ficar lendo e escrevendo sobre ele e outros escritores. Além disso, a concorrência para a Compós é gigantesca e, admito, qualificada. Aliás, até me solidarizo para com eles, pois sei como é foda ter que escolher um número limitado de artigos tendo, às vezes, centenas de bons artigos. Já passei por isso e sei como é ruim e dói na consciência. Mas, fazer o quê, a vida é dura e o sistema é foda.
The point here is, como ressaltei, muitos avaliadores não acham a temática pertinente. Não está a altura “deles”. Vou enviar já preprado para ver a justificativa que vão dar para a rejeição. “Não aprofundou conceito tal” (ok, aumentem o limite de caracteres que contextualizo até a bunda da tua mãe. Sorry, but... you know...), não citou o Fulano e o Beltrano para falar de cultura (mesma coisa, só aumentar o espaço, que aumento as referências), o texto ficou ensaístico (já leu Ensaio como forma, do velho e bom Theodor Adorno?), a metodologia não ficou clara (ok, da próxima vez anexo um desenho), o tema não é pertinente ao GT (ok, fiquem discutindo as merdas que circulam no Facebook que vou cuidar do meu jornalismo literário no meu canto...), etc, etc, etc.
O meu consolo é que provavelmente esses avaliadores não sabem (vão ficar sabendo quando lerem o artigo, se é que vão ler ele inteiro) que o Erico Verissimo recebeu o título de doutor em literatura pela Universidade da Califórnia no dia 4 de junho de 1944. E por que isso me consola? Ora, porque provavelmente se o Dr. Erico Verissimo fosse avaliar os textos desses avaliadores, que ignoram a sua obra e importância para a história do jornalismo e da literatura do Brasil, ele os rejeitaria – em muitos casos escrevendo duas únicas palavras como justificativa: prolixo demais. Até por isso utilizei “Dr. Erico Verissimo” já no título do artigo. E, esse sim, merece o título que tem.
Hasta!