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domingo, 22 de junho de 2014

Porquês

Talvez seja apenas o espírito e o clima californiano que andam me deixando meio lesado. Ou quem sabe, algumas questões que às vezes invadem o meu ser façam algum sentido. A inspiração para colocar algumas dessas interrogações nesse espaço veio ao ver o texto compartilhado pela minha irmã no Facebook falando sobre os perigos para a humanidade causados pela ignorância do povo americano. Eu imediatamente respondi que não é uma questão de ser americano, brasileiro, italiano, africano ou argentino. A questão é a humanidade. Estou completando onze meses de Estados Unidos. Ainda quero escrever uma lista, como a que tantos estrangeiros fizeram sobre o Brasil – talvez não em forma de lista, mas de texto mesmo – dando o meu parecer sobre o país (com pontos positivos e negativos). Isso vai ficar para outra hora....
Não sou numerólogo, no entanto, vou colocar aqui dez questões (essa talvez seria a primeira – por que os números que terminam em 0 e 5 são considerados “redondos”? Por que não se denomina algo como “7” da mesma forma que o “6” representa “meia dúzia”? Quem definiu isso? Questões, questões... Enfim, segue a lista:
1) Por que existe impedimento no futebol? A regra não faz nenhum sentido! A hipótese mais aceitável é a seguinte: é para que as mulheres não possam dizer que é fácil entender futebol... Fora isso... As defesas deveriam se armar para não levar gols e, se deixam o cara livre na frente, problema é delas, pô! No entanto, meu argumento mais concreto contra o impedimento é: em praticamente metade dos lances polêmicos, o trio de arbitragem erra. Então, por que simplesmente não acabar com essa regra estúpida?
2) Por que existem fronteiras? Pô, é tudo o mundo, saca? Sei que tem toda a parada da história, e já li pra caralho sobre história de vários países, civilizações antigas e o caralho a quatro mas, porra, isso é passado! Os Estados Unidos, por exemplo, “roubaram” o Texas, a Califórnia e outros estados do México. Mas por que hoje em dia um ser humano não pode cruzar uma cerca de arame (como a que separa San Diego do México)? Por que ele é preso ou até morto por ir de um lugar para o outro?? Por que as pessoas não podem ir e vir de todas as partes do mundo, livremente? Quem um ser humano pensa que é para não deixar o outro ir ou vir?
3) Por que o ouro vale alguma coisa? Está certo, na história, o ser humano deu valor ao ouro, e inventou o papel para as pessoas não ficarem carregando ouro. Mas por que dar valor ao ouro?? Por que não à prata ou ao bronze ou a um típico específico de fezes? Sei lá, de repente as fezes de um camelo poderia valer muito, então, todo mundo iria querer criar camelos e entupi-los de comida para ficar rico... Ou, senão, um olho de sapo. Já pensou você indo ao banco depositar um saco de olhos de sapos? Enfim...
4) Por que as moedas têm valores diferentes? Um economista ou historiador pode me dar uma resposta teórica consistente, mas - que diabos! - se não tivessem fronteiras, o dinheiro teria o mesmo valor em todo o lugar do mundo! Um real = um dólar = um peso = um euro, etc...
5) Por que as pessoas matam umas às outras? Se o cara levou um chifre (ou ao contrário), porra, deixa a criatura e vai viver a sua vida com outro ou outra, enfim... Aliás, por que as pessoas dão tanto valor a isso? E por que matar por dinheiro? Por que matar por qualquer motivo? E por que dar motivos para os outros te matarem?
6) Por que o álcool e o cigarro são as únicas drogas legalizadas em praticamente todo o mundo? Todos sabem que o álcool é a droga que mais causa crimes, assassinatos, acidentes, brigas em família, etc, etc, então, por que não se proíbe o álcool ou não se legaliza outras drogas, como a maconha? (a resposta é óbvia: porque a indústria das bebidas e do cigarro envolve muito dinheiro. Mas estou perguntando isso filosoficamente – se é que posso usar esse termo num texto tão simplório como esse...)
7) Por que existem pessoas burras e chatas? Por que elas estão nesse planeta? Por que não as mandamos para Marte ou qualquer outro lugar do espaço? Ou senão, por que não separamos uma ilha apenas para essas pessoas?
8) Por que 90% das pessoas trabalham em empregos que odeiam? Por que elas colocam o dinheiro na frente de tudo e vendem suas almas?
9) Por que a sociedade aceita tantas leis e regras estúpidas? Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, você precisa apresentar a identidade sempre que for comprar bebida alcóolica: num estádio, num bar, num supermercado, num restaurante... mesmo que você tiver rugas e cabelos brancos... E isso vale também para as línguas, como a nossa nova gramática da língua portuguesa... (por que não existe a palavra “seje”, de “mas não seje bobo” e outras?. E por que existem os quatro porquês?
10) Por que você, leitor imaginário, está lendo esse texto? Por que você não sai da internet e vai ler um livro? Ou ver a Copa?

Por que? Por que? Por queeeee????

quarta-feira, 18 de junho de 2014

About Soccer

Lembro que na Copa de 1994 se falou muito da relação entre os Estados Unidos e o futebol, chamado por aqui de “soccer”. A abordagem naquele ano era no sentido de que, para os americanos, o futebol era algo como para nós, brasileiros, é o baseball ou o futebol americano. E essa foi a imagem que sempre recebi da imprensa brasileira ao longo dos anos: americanos gostam de baseball, futebol americano, basquete e rockey e, por outro lado, detestam futebol. Porém, assim quando cheguei aos Estados Unidos e fui jogar bola no Central Park, vi que a falta de interesse dos americanos pelo futebol não era tão verdadeira quanto os figurões da televisão, como Galvão & Cia, sempre tentaram fazer parecer. Num dos jogos, dentre os 20 caras que estavam jogando, pelo menos a metade era americano.
A maior surpresa de todas, no entanto, aconteceu nessa semana, quando fui a um bar assistir à estreia da seleção americana na Copa. Cheguei aproximadamente 20 minutos antes do jogo e, para a minha surpresa, o bar já estava completamente lotado. Catei um um canto para sentar, e então, cada americano que descobria a minha nacionalidade, surpreendia-se: “que diabo você está fazendo aqui, se a Copa é no seu país?”. A maioria deles gostariam de estar no Brasil, vendo a Copa ao vivo. Muitos já prometem presença nas Olímpiadas de 2016. O mais espantoso foi o comportamento da torcida americana: cantos de guerra, gritos de USA, discussões sobre os convocados e muitos torcedores com a camisa da seleção americana. E, claro, houve explosões de comemorações nos dois gols americanos (um marcado no início e outro no final do jogo). Sinceramente, eles pareciam com qualquer torcida fanática do Brasil pulando e gritando e se abraçando na hora dos gols. E a festa depois do jogo era digna de título.
Ponto. Não quero passar aqui outra imagem errada: de que os americanos estão torcendo e curtindo futebol da mesma maneira que o resto do mundo. Não chega a tanto, mas todos eles concordam que o esporte está crescendo a cada ano no país. No entanto, há o outro lado: na rua que conta com uns 10 bares, apenas três ou quatro estavam passando o jogo da seleção americana (enquanto que no Brasil, 100% passam jogo da Seleção na Copa). E, claro, ouvi de brasileiros histórias do tipo: “meu professor não sabia que os Estados Unidos estavam na Copa. Aliás, ele nem sabia o que era a Copa do Mundo”. Ou seja, há de tudo. Mas há muitos americanos que se dizem fanáticos por futebol. Isso quer dizer, no mínimo, de que a imagem que sempre tentam nos passar de que o futebol está para os Estados Unidos tanto quanto o baseball está para o Brasil é a mais pura besteira e lorota.
Bom, depois do empate contra o México, talvez esteja chegando a hora de começarmos a praticar um pouco baseball e futebol americano... Let’s go, Brazil!

*Texto enviado ao J Missões e que será publicado se Deus, o editor e o dono do jornal quiserem...

terça-feira, 17 de junho de 2014

Fé na imortal e eterna estrada

Antes de vir para os Estados Unidos comprei o livro do jornalista carioca Dodô Azevedo, intitulado “Fé na estrada” (um trocadilho com o título do famoso On the road – traduzido para o português como “´Pé na estrada”). Nele, Dodô conta como foi a sua viagem aos Estados Unidos em 2003, dois anos após o 11 de setembro. Confesso que quando comprei o livro fiquei com medo de que o autor estivesse forçando a barra, enfim, que fosse uma mera imitação barata. Mas nada disso. Com um estilo próprio e cheio de humor, o carioca conta a sua viagem cross-country, feita de Nova York até a Califórnia, seguindo o trajeto de Kerouac de mais de cinco décadas atrás.
Assim como o Grêmio se declara imortal, e os colorados se proclamam eternos, a cultura, ou melhor, a contra-cultura, a cultura do Rock’n Roll, da literatura beat, a cultura hippie, e de tudo aquilo que floresceu nos anos 1960 e 1970, ainda existe aqui nos Estados Unidos. E, sinto lhes dizer, caros conservadores, também é uma cultura imortal e eterna, igualzinha a Grêmio e Inter. Eu já sabia que ela ainda tem muita força no Brasil, porém, o que eu sempre lia e ouvia de professores e estudiosos do assunto é que essa contra-cultura, em solo americano, já era. Ou que foi substituída por outras coisas.
Ou ainda, ouvia papos tratando essa cultura na contemporaneidade como modinha de adolescentes rebeldes.
O próprio Dodô Azevedo, conversando com os americanos em 2003, já constatava isso: grande parte da população não acredita que ainda existia gente vivendo da mesma maneira que a turma dos anos 1960 e 1970. No entanto – isso prova que eu não estou reivindicando nenhum ineditismo da tese – lá no início dos anos 2000 o Dodô mostrou que ainda existia, e muito fortemente, toda essa (contra) cultura. E agora é a minha vez. Depois de vir de Nova York até San Diego, estou vendo essa imortalidade e eternidade da contra-cultura com meus próprios olhos. Há muitos mochileiros em toda a California (também há nos outros estados, mas aqui é muito mais visível). Há milhares de hippies, gente que vive em vans ou trailers, viajando pelo país, barbudos que ganham a vida tocando violão na beira da praia – e que gastam os seus trocados para usar drogas em lugares paradisíacos e isolados; outros que vivem do artesanato hippie, etc. Ou, sob o ponto de vista de alguns, “gente feia”, “drogados” e “vagabundos”. Vagabundos iluminados.
Vendo tanta gente assim, tanto aqui nos Estados Unidos, quanto no Brasil, eu me pergunto: por que a imprensa, os meus colegas professores universitários e pesquisadores, os animadores de programas televisivos e radiofônicos, enfim, por que todo esse pessoal aborda a contra-cultura de 2014, e que vai sempre continuar existindo, como algo extinto?
Eu tenho três hipóteses: 1) eles realmente acreditam que isso é coisa do passado; 2) eles têm essa imagem porque não saem de seus casulos e, pelos livros que leem e pelo que ouvem de outros especialistas – iguais a eles – pensam que são donos da verdade; e 3) eles até admitem que isso existe, mas não querem mais gente conhecendo e vivendo essa filosofia de vida que questiona tudo o que é imposto pela sociedade século após século. (Última foto é de um hostel de San Diego que tirei dias atrás).
Enfim, talvez por não acreditar em tudo o que vejo, leio e ouço é que eu tenha tanto essa veia saltitante na minha corrente sanguínea que me deixa inquieto e com vontade de ver tudo com os meus próprios olhos. E o que meus olhos estão vendo é essa imortalidade e eternidade da contra cultura, ou, como chamou o Dodô, simplesmente uma fé na estrada.

*Texto que talvez foi publicado no J Missões de algum dia qualquer. Se foi, não sei, pois ninguém me avisou...