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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Surruadibundá!

Vivendo e aprendendo. Aqui nos Estados Unidos estou descobrindo um pouquinho mais sobre a cultura brasileira. Dia desses apareceu um amigo americano de um dos caras que moram comigo. Ele estava empolgadíssimo com a Copa do Mundo, pois está indo para o Brasil com um casal de amigos brasileiros para assistir ao Mundial. E ele dizia “eu vou querer surradibunda”. Só que ele pronunciava os dois “rr” com sotaque americano, ou seja, enrolado. E ele também transferiu a vogal tônica para o último “a”. Então ficou: “surruadibundá”. E ele cantava e gritava “eu quero surruadibundá!”. E a gente se olhava tentando entender o que aquele gringo maluco queria dizer. Até que perguntei, em inglês:
- Essa palavra é em português?
- Claro! Surruadibundá!
E começava a dançar empolgadíssimo dizendo que assim que chegasse ao Brasil ele ia querer uma surruadibundá. Na dúvida, pedimos para ele explicar o que era surruadibundá. Ele apontou para a palma da mão e disse “bunda”. E nós prontamente corrigimos: “não, isso é mão”, ao que ele sacudiu a cabeça, impacientemente, dizendo “faz de conta que isso é uma bunda”. E então apontou para o próprio rosto e disse “face”. Ao que ele começou a bater com a palma da mão na própria cara dizendo “surrouadibundá!!!”. Ao que nós respondemos, num coro “ahhhhhhhhhhhhh, surra de bunda!”.
Então, cumprimos a nossa obrigação de brasileiros que ajudam os gringos que vão para a Copa e ensinamos a ele a pronúncia correta da surra de bunda. Mais tarde fui descobrir que se trata de uma música funk, por isso disse que aprendi um pouco mais da nossa cultura com os americanos que estão indo para o Brasil... Tu vês...
Sobre a Copa, os poucos americanos que encontro e que vão para o Mundial estão indo acompanhados de brasileiros – geralmente por medida de segurança. Muitos disseram que não vão pelas notícias, vídeos no youtube e postagens nas redes sociais sobre casos bizarros de violência – afinal, como digo, é só você abrir um site de notícias brasileiros e tem centenas de notícias de absurdos que acontecem pelo país, muitos deles inimagináveis para os americanos. Aliás, aqui acontecem crimes, óbvio, mas a quantidade e a frequência e a banalização da criminalidade no Brasil assusta qualquer um. Outros americanos dizem que não vão porque sabem da situação do Brasil e não concordam com os gastos absurdos em um país que tem tantas desigualdades sociais. Outros ainda desistiram do Mundial por considerarem abusivos demais os aumentos de tudo durante o mundial, desde passagens aéreas até hospedagem.
Eu, particularmente, assumo que não tenho opinião 100% formada sobre a Copa no Brasil – mas como amante do futebol, vou assistir aos jogos e torcer pelo time de Felipão como sempre fiz em todas as copas anteriores.
Os problemas e denúncias, todos sabem. A paixão do brasileiro pelo futebol, também. E o que vai acontecer, todos podem imaginar. Muita surradibunda pra gringo ver.

sábado, 17 de maio de 2014

Cidades inspiradoras

Eu sempre achei que aquelas cidades famosas, lindas, com mil coisas para fazer, praias paradisíacas, etc, fossem as cidades inspiradoras para escrever. No entanto, aos poucos vou concluindo que se trata exatamente do contrário. Admiro Jack London, Hemingway e tantos outros que tinham inspirações em paraísos tropicais e que escreviam enquanto estavam nesses lugares. Mas comigo funciona diferente. Eu até me inspiro nessas cidades, como as que tenho passado aqui nos Estados Unidos, tipo Nova York, Miami ou San Diego. No entanto, eu não me inspiro muito para escrever enquanto estou nelas (ok, possivelmente porque eu não sou um residente permanente nesses lugares, então, não quero perder tempo...).
Well, talvez até nisso eu tenho mais a ver com o Hunter Thompson do que com os outros escritores que eu admiro. Ele viajava o país, zanzava pela Florida, Nova York e Califórnia, mas tinha o seu refúgio para escrever na sua casa em Aspen, no Colorado. Eu também sou assim: fico inspirado nas cidades fodas, mas me inspiro para escrever quando estou em cidades que não se tem muito o que fazer, como Louisville, no Kentucky (creio que foi quando eu mais escrevi desde que cheguei nos Estados Unidos) ou em Santo Ângelo, minha cidade natal no Brasil. Você está lá, num domingão, nas casas ao lado as pessoas assistem ao Faustão, a tua mulher foi visitar a sua sogra e levou as crianças, teus amigos estão todos em outras cidades, então, o quê fazer? Escrever textos, colunas, artigos, teses, teorias, memórias, etc.
E, para a minha sorte, quando eu voltar para o Brasil vou ficar inicialmente em Santo Ângelo. Isso quer dizer que não vou ter muito o que fazer (além das obrigações familiares), a não ser escrever a tese e outras coisas, como a coluna nesse espaço.
Eu tinha em mente seguir escrevendo a porra toda em ordem cronológica. Mas creio que eu só vou conseguir voltar mentalmente para a casa em que eu estava em Louisville, para falar da família que me alugou o quarto, por exemplo, quando eu estiver em Santo Ângelo meio sem ter o que fazer. Aqui eu até pensei em escrever esse texto. Mas não consigo me sentir lá, no bairro mais pobre de Louisville, estando a uma quadra da praia em San Diego... Quando eu começo a pensar nisso eu já estou saindo porta afora rumo ao mar para pegar umas ondas...


Bom, na verdade, já acabou a inspiração para escrever... É difícil ficar sentado escrevendo quando se está numa cidade em que há mil coisas para se ver lá fora... Então, parafraseando o Gaguinho, po-por hoje é isso pe-pesoal!

domingo, 11 de maio de 2014

Gonzofest - last day

Acordamos mais cedo: meio-dia. O sexto e último dia de Gonzofest tinha a programação toda em um espaço aberto, perto do Muhammad Ali Center, e seria durante a tarde inteira. Comemos uma pizza de fazer no micro-ondas e fomos de busão.
Chegando lá, deparamo-nos com uma infraestrutura similar a uma dessas feiras que temos no Brasil. Várias banquinhas vendendo comida, bebida e tendas com souvenir, quadros, roupas, etc, da Gonzofest. No centro, havia um palco grande aonde aconteceriam as atividades da programação. O tempo também ajudou, pois vez um solaço.
Fomos comprar uma para tomar, mas levei um susto: cinco pila o copo. Caracas. E te botavam uma fita no braço, sei lá, acho que para identificar que você está bebendo, ou para os pais afastarem as crianças dos bêbados marcados com as fitas... Vá saber...
- Gonzinho, só vamos poder tomar essa. Tá muito caro.
- Teu cu, quero encher a cara! Hoje é o último dia, caralho!
- Então vá dar uma de brasileiro e cate alguém pra te pagar bebida, porque eu to duro!
- Porra! Eu sou nova-iorquino, lembra? Mas vou abrir uma exceção...
E lá se foi o Gonzinho. Foi engraçado, porque encontramos uma baixinha loirinha que parecia a minha Larissa com um outro Gonzinho – primo do meu.
Novamente tiveram apresentações, shows musicais, leituras e interpretação de textos, etc. Lá pelas tantas, apareceu um grupo todo fantasiado com um boneco gigante de Hunter Thompson. Eles ficaram andando pelo espaço por um bom tempo, tocando tambores e fazendo barulho. Fiquei pensando que provavelmente Hunter Thompson gostaria daquele espetáculo, afinal, ele sempre gostou de coisas grandiosas, como o seu funeral, que ele deixou todo programado e que foi cumprido à risca, com fogos de artifício nas montanhas de Aspen e tudo o mais. Um dia quero escrever um texto só falando da biografia dele para o blog, mas fica para outra hora...
Falando nisso, tinha alguns imitadores – apesar de que Hunter odiava os imitadores. Tinha um que era convidado e estava na programação, pois ele leu alguns textos do Hunter no palco. Mas outros estavam simplesmente vestidos de Hunter Thompson, tentando agir e se mexer como ele... Porra, por mais que o Hunter odiasse esses caras, eles fazem parte do espetáculo, pois aí você se sente ainda mais inserido no mundo Gonzo da Gonzofest.


O grande momento do evento foi quando o ator Frank Masina leu a mensagem de Anita Thompson, justificando a sua ausência e falando justamente o quanto Hunter Thompson se orgulharia de um evento como esse.
Ela também anunciou uma bolsa na Universidade de Louisville no nome do poeta, escritor e professor Ron Whitehead, que, creio eu, vai repassar para que alguém estude o Jornalismo Gonzo ou similar. Também estava o prefeito de Louisville, que se declarou um leitor e fã do Hunter desde criança, e outras "autoridades".
Ainda conversei bastante com a Margaret, a editora do Hunter Thompson nos Hell’s Angels, e com o Brad, o cara de Chicago que me passou várias dicas.
Conversamos muito sobre a minha pesquisa e foi sensacional poder explicar a minha pesquisa com eles ouvindo atentamente. E a satisfação foi muito grande quando ouvi da boca da Margaret que o meu enfoque era “genial”. Realmente, eles, e vários outros participantes com quem conversei, fizeram eu me sentir em casa.
A essas horas o Gonzinho já tinha achado uma loira que estava pagando cerveja para ele. Dei dinheiro para o busão e disse que estava indo embora. Antes de sair do parque, uma senhora, que eu tinha conversado antes, me pegou pelo braço para me apresentar ao filho dela.
- Olha, esse é o cara do Brasil.
- Eu sei mãe, eu já conheço ele.
- Mas ele é do Brasil!
- Eu sei, mãe!
Aliás, nessa tarde eu me senti mais ou menos famoso no evento, pois vários vieram falar comigo para saber se eu era o cara que tinha vindo do Brasil. Por pouco não dei autógrafos.
Mas enfim, chegou uma hora em que o sol estava se pondo e o cansaço estava batendo. Despedi-me do pessoal, em especial do Ron Whitehead, e saí para fora do parque e fiquei olhando o banner gigante que estava atrás do palco, com aquele monte de quadros e pinturas do Hunter Thompson, do Gonzo, dos livros, etc. Olhei tudo aquilo, respirei fundo, e murmurei pra mim mesmo: é, amigo. Valeu muito a pena!

sábado, 10 de maio de 2014

Gonzofest - Day 5

Sexta-feira, penúltimo dia de Gonzofest. A grande expectativa era em torno do filme, For no good reasons – um documentário sobre o ilustrador Ralph Steadman – e pela presença da Anita Thompson, viúva de Hunter.
- Gonzinho, hoje se comporta, não vai fazer fiasco na frente da Anita.
- Vá se foder.
Não sei mais o que fazer com esse azulzinho narigudo.
Partimos cedo, pois o filme estava marcado para às cinco e meia. Chegamos lá e logo fomos conhecendo pessoas que não estavam nos outros dias, como um cara de Chicago, que até agora está me ajudando bastante com a minha pesquisa, e Margaret Harell, que foi editora do Hunter Thompson quando ele escreveu o Hell’s Angels. Conversei bastante com eles, enquanto o Gonzinho estava bebendo no bar impaciente pelo início do filme. Então, apagaram as luzes, e num super telão maior do que o de qualquer cinema que eu já vi na vida, começou a parada.
O filme é bom demais. Eu consegui gravar quase todo na minha câmera, mas está guardado aqui, em sigilo, pois ele foi lançado na Gonzofest três semanas antes do lançamento em Nova York. É muito foda ver o Ralph fazendo os desenhos na frente do Johny Deep, que vai conduzindo a conversa.
- E aí Gonzinho, gostou do filme?
- Gostei. Só não gostei desse tal de Deep...
- Por quê?
- Porque as mina ficaram embasbacas por ele e nem deram bola pro meu narigão...
Sentimental, esse Gonzinho. Bem, de lá seguimos para o Muhammad Ali Center, aonde aconteceria a segunda parte do evento. Chegando lá, descobri que o Muhammad também é natural de Louisville. E me explicaram que por isso o Hunter Thompson conseguiu algumas entrevistas exclusivas com o cara. Também descobri um pouco da história política dele, que além de ter sido um dos maiores boxeadores da história, teve uma grande participação política na luta contra o racismo e também ao se negar a ir para a guerra do Vietnã, fazendo críticas fortes contra a postura do governo americano no confronto – e isso revela uma certa tendência que o governo americano também tem a censura (e depois falam do Fidel...).
- Viu, Gonzinho? A vida não é só essa mamata de bebidas e drogas e putaria que você está pensando...
- Não fode... vamos sair daqui...
Deu pra conhecer bem o museu antes de subirmos para o último andar, aonde em um salão gigante seria realizado o evento.
Eu estava na expectativa de ver a Anita Thompson. Mas, antes, deu para curtir a vista bonita que se tem do rio que divide os estados de Kentucky e Indiana, e tomei umas com o Gonzinho. Até dei uma entrevista para o cara que estava fazendo o documentário sobre a Gonzofest 2014.
A noite começou com shows e apresentações e nada da Anita. Depois fui descobrir que ela não foi devido a problemas de saúde. A única coisa estranha que achei é que não foi dada nenhuma explicação no microfone, ao público... Ela simplesmente não apareceu e só no dia seguinte essa explicação foi dada publicamente...
Depois de ver diversas apresentações, interpretações e leituras, o lugar foi ficando vazio e o Gonzinho já estava ameaçando se jogar da ponte.
- Porra, Gonzinho! Não fode!
- O Thopmson se matou eu também vou me matar!!
- Teu cu, Gonzinho, vem aqui que te pago mais uma.
Ele pensou por um segundo e disse:
- Tá, só mais uma, pois quero chegar do outro lado zoando geral!
Bebemos mais algumas e ele acabou esquecendo da parada do suicídio. Dessa vez a cara dele era de cansaço. Esperei ele dormir escorado no balcão do bar para colocá-lo dentro da mochila para voltarmos para casa, afinal, sábado era o último dia e precisávamos estar com nossos corpos e mentes 100%.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Gonzofest - Day 4

Acordamos. Essa era uma das noites mais esperadas, mesmo que dois dias antes o William McKeen havia anunciado que não poderia comparecer ao evento devido a morte da sua sogra (!?!?). Um parêntese: McKeen escreveu a melhor e mais reconhecida biografia sobre Hunter S Thompson: Outlaw Journalist. Na época em que escreveu o livro, ele era professor de jornalismo da Universidade da Flórida. Agora ele é professor em Boston. Ok, admito, ele é metido a estrelão mesmo: aceitou meu convite no Facebook mas não me respondeu as duas ou três vezes em que tentei falar com ele. E não adianta dizer que não viu porque apareceu escrito “seen by McKeen at...” na janelinha do chat. Então, ele que vá tomar no cu, apesar do puta livro que escreveu... Enquanto biógrafo, escritor e jornalista ele é nota 10. Mas enquanto pessoa humilde é nota 0,01.
Então, Gonzinho e eu partimos rumo Monkey Wrench, que é uma espécie de Pub a moda antiga. Dessa vez consegui convencer o Gonzinho a não se chapar antes de sair, pois começava a temer pela sanidade mental dele. Chegamos lá e comecei a fotografar a decoração do troço, novamente toda em estilo Gonzo. Começamos a beber.
O problema é que a cada uma que eu tomava o Gonzinho tomava duas, ou mais. Ou seja, logo ele estava viajando.
- Gonzinho, vamos com calma, temos tempo.
- Não fode.
Esse Gonzinho.. Já não sei mais o que fazer com esse guri. Enfim, na primeira fala da noite aquele mesmo jornalista do primeiro dia que estava vendendo livros e foi embora depois de 20 minutos de evento falou sobre a sua obra. Na verdade até é interessante: é um livro-reportagem sobre plantações de maconha nos Estados Unidos. No entanto, como a minha mala já estava transbordando com super excesso de bagagem – e eu também queria economizar – acabei apenas ouvindo.
Depois, foi a vez do show de Ron Whitehead. E foi literalmente um show. Ele contou um pouco das histórias dele com o Hunter Thompson e recitou – com um super acompanhamento musical – alguns de seus textos, como o “searching for Jack Kerouac” (procure no youtube).
Em seguida, Frank Masina, um escritor, poeta e ator de New York deu um puta depoimento sobre Hunter Thompson. Postei algo no youtube. O cara, que até então eu achava apenas um “metido a besta bonitão com topete que se acha”, matou a pau. Até o Gonzinho estava concentrado nas apresentações. No entanto, um dos pontos altos da noite foi quando chamaram o poeta, músico e escritor
David Amram. O cara deve ter, sei lá, uns 80 anos. Tinha dificuldades para caminhar e parecia não estar lúcido. No entanto, foi só passarem-lhe o microfone que ele matou a pau. Porra, o cara foi amigo e andou com ninguém mais ninguém menos do que Jack Kerouac. Compôs músicas com ele. E tocou. Deu show. Deixou todos embasbacados. Sentíamo-nos em Big Sur nos anos 1950.
Quando terminaram as apresentações, Gonzinho estava emotivo. Com lágrimas nos olhos.
- Quê passa, azulzinho?
Nada. Silêncio.
- Porra, Gonzinho! Que merda é essa???? Vamos beber aê???
Ele nem dava sinal. Estava emocionado, saudosista, nostálgico. Acabei pagando uma pra ele. A depressão passou rápido quando apareceu uma ruiva que se sentou ao seu lado. O foda foi que do outro lado sentou a chapeleira maluca das noites anteriores. Acabei sobrando e deixei ele sozinho com as duas, afinal, ele estava precisando de consolo.
Fui para o bar e tomei umas com o Nick e outras pessoas. Sempre era apresentado como “o brasileiro que veio para Louisville para a Gonzofest”. Um até disse “cara, tu já tá famoso”. Apareceu até um americano que morou seis meses no Brasil e que falava mais ou menos português. Ele disse que morou em Goiás e que adorava as brasucas. E eu, caralho, me sentia muito valorizado com uma rodinha de americanos querendo ouvir sobre a minha pesquisa about Hunter S Thompson. É, amigos, provavelmente eu sinta falta disso tudo quando voltar ao Brasil e voltar a ser apenas mais um na multidão...
- Hey, this guy is the Brazilian that is here researching about Hunter Thompson!
E então mudava tudo. Provavelmente porque eu era o único gringo às avessas no local. O Gonzinho também estava fazendo sucesso. Só que, novamente, o problema era arrancar ele do meio da chapeleira maluca e da ruiva para ir pra casa.
- Gonzinho, vambora, tá tarde.
- Porra, caralho! Tu tá é velho! Me deixa um minuto!
Sinceramente, a essa hora o cansaço tinha me batido. E eu estava feliz de ver o Gonzinho recuperado do baque de horas antes. Então, botei em seu bolso uma nota de 50 dólares e disse:
- Enjoy, my friend. Mas lembre-se de guardar para o táxi.
E parti. Enquanto saía porta afora, ouvi as risadas do Gonzinho ao fundo.

domingo, 4 de maio de 2014

De volta pra casa – a saga de um gremista

Hércules era um cara forte. Forte e foda. Em todos os sentidos: no colégio era o que batia em todo mundo, na academia era o que colocava mais peso nos aparelhos, era campeão da queda de braço e era o último a se entregar quando a galera se juntava para encher a cara durante a adolescência. Foi o primeiro da turma a perder a virgindade. Sua mãe contava que ele deu trabalho até para que os médicos tirassem ele da barriga, em 1980, ano em que nasceu – de parto natural, óbvio. Hércules herdou de seu pai a paixão pelo Grêmio. Morava na Azenha e os anos 1990 foram inesquecíveis. Ele era o principal praticante de buyilng contra colorados na sua escola. Era o mais forte, o garanhão e, com muito orgulho, era gremista: comemorava títulos e mais títulos ano após ano. Depois de ser campeão de praticamente tudo em 1994, 1995 e 1996, quando ganhou a Copa do Brasil de 1997, comprou uma camiseta em que abaixo do símbolo do Grêmio estava escrito “Estou de saco cheio de ser campeão”.
Apostou com um colega seu de escola que o dia em que o Inter ganhasse o Mundial ele pagaria lanche todo o dia, até o fim da vida, para o amigo colorado.
A vida era um paraíso. Ele era o máximo. O Grêmio era o máximo. Mas o tempo passou e vieram os anos 2000, que começaram bem, com um título da Copa do Brasil. Ou seja, mesmo sem ser a máquina de outrora, o Grêmio seguia sendo campeão e o Inter continuava penando. Entre altos e baixos, nada parecia mudar. Porém, como diria Joseph Climber, a vida é uma caixinha de surpresas, e nos anos seguintes tudo se inverteu. A sorte de Hércules é que o colégio terminou e na faculdade ninguém ligava muito para futebol. No entanto, Hércules passou a sofrer. E deixou de ser o cara despojado, que falava alto e sem vergonha de ninguém. Hércules começou a ficar introvertido. Em 2010, ao completar 30 anos, já formado, depois que o Inter ganhou a Libertadores, Hércules resolveu juntar o útil ao agradável ao aceitar uma proposta de emprego nos Estados Unidos. Aceitou, mesmo que isso implicaria em não poder mais ver jogos do Grêmio na Azenha, sua atividade mais prazerosa na infância e juventude. No entanto, do jeito que a coisa ia, o melhor era partir.
E assim, depois de comemorar muito a vitória do Mazembe no Mundial (que também foi a sua festa de despedida) Hércules seguiu para solo americano. Ele já tinha um bom currículo e sabia que poderia voltar quando quisesse. Porém, fez uma promessa ao seu pai no hospital, pouco antes de perde-lo, três meses antes de partir: “quando o Grêmio for campeão novamente, sem contar título estadual, eu volto”. Foi uma promessa de fidelidade ao amor ao Grêmio, herdado pelo pai. E assim, Hércules partiu.
De início, ele estava com espírito aventureiro, pois sabia que o Grêmio poderia ser campeão a qualquer momento. Porém, os anos se passaram, e nada. Hércules foi vendo a vida passar e, sem muitas esperanças no seu tricolor, casou. Teve filhos. Todos americanos. Ganhou o Green Card.
Passaram-se 20 anos. Chegou 2030 e Hércules já estava com 50. Sua filha mais velha estava grávida: seria avô. 20 anos nos Estados Unidos sem ver o Grêmio ser campeão. Até que, no ano de 2030, o Grêmio tinha uma chance mínima de ser campeão brasileiro. Era a última rodada e o time de Hércules estava em quarto lugar. E o pior: o líder era justamente o Inter que, em uma das finais mais emocionantes de todos os tempos, enfrentaria o vice-líder Cruzeiro, no Mineirão. Ambos estavam com o mesmo número de pontos, mas os colorados tinham vantagem no número de vitórias. E em terceiro estava o São Paulo, um ponto atrás de Inter e Cruzeiro. Um ponto atrás do São Paulo, e a dois dos líderes, vinha o Grêmio. Para ser campeão, Inter e Cruzeiro teriam que empatar, o São Paulo não ganhar para o já rebaixado Vitória em Salvador e o Grêmio teria que vencer na Arena o Palmeiras.
Assim que terminou a penúltima rodada e se formou esse quadro, Hércules ficou nervoso como nunca na vida. Estava casado há 18 anos. No primeiro ano de casamento, teve a primeira filha, que nem havia chegado à maioridade quando engravidou. Cinco anos depois, teve o seu filho, Jonh. E dois anos mais tarde teve a caçula, Mary. Em todos esses anos ele nunca havia contado para ninguém da família sobre a promessa feita ao pai falecido (e que, no seu íntimo, era uma promessa ao Grêmio, que tinha o peso de toda a sua palavra e ética pessoal de 50 anos). Hércules passou a semana nervoso. Não dormia bem. Não conseguiu ter ereção para passar o rodo na mulher. Broxou com a amante. Vomitou três vezes. Teve caganeira. Até que na noite de sábado, resolveu reunir toda a família para contar a história da promessa.
Os filhos americanos nunca entenderam direito a paixão do pai por um time que não ganhava nada. E reclamavam que Hércules não conseguia se interessar pelos esportes americanos. A mulher, achou que ele tinha uma amante brasileira e estava inventando uma desculpa esfarrapada para abandoná-la. Disse que se ele voltasse, que fosse sozinho, divorciado, e que entrasse na Justiça para ver os filhos. Hércules ficou duplamente nervoso: por um lado, se o Grêmio ganhasse, a alegria e a explosão de êxtase seria inevitável. Por outro, ficaria triste de perder a família. O que fazer? Torcer contra o Grêmio estava fora de cogitação. Ainda mais se for para o Inter ser campeão! 20 anos nos Estados Unidos. Quase 30 anos sem título. Uma promessa feita com a sua alma.
O domingo chegou. Hércules acordou cedo. Rezou. Pensou em fazer promessas, mas a que tinha feito 20 anos atrás era mais do que suficiente. Roeu as unhas, foi cinco vezes no banheiro com diarreia. A mulher, em uma atitude de protesto, saiu com os filhos para a casa da mãe – aquela vaca. No mínimo deviam estar falando mal dele. O melhor era não pensar nisso. Tinha que se concentrar nos jogos. Rubinho era dúvida. Souza estava confirmado. Hércules juntou as três TVs da casa e colocou uma TV do lado da outra. Colocaria um jogo em cada TV. Na TV um, com o som ligado, passaria Grêmio x Palmeiras. Na TV 2 ficaria Cruzeiro x Inter e na última Vitória x São Paulo.
Rola a bola. O coração de Hércules está acelerado e ele pensa que vai enfartar, no entanto, não pode morrer sem saber quem será o campeão. 2030. 29 anos desde o último título importante. Durante a semana, Hércules já tinha pesquisado os preços das passagens para Porto Alegre e havia enviado currículo para grandes empresas de Porto Alegre. Estava tudo encaminhado. Aos 10 minutos do primeiro tempo, a primeira ducha de água fria: gol do São Paulo. E o pior que o Grêmio não jogava bem – por que a porra do Pará, treinador do Grêmio, não tirava o Juninho pra colocar o moleque Jubinha? Porra! Bom, ficar nos Estados Unidos com a família talvez fosse um consolo razoável. 39 minutos e o juiz apita uma falta na risca da área para o Palmeiras. Biribinha cobra com perfeição, gol do Palmeiras. Hércules começa a suar frio. É o fim. Morrer do coração na frente da TV. Melhor do que ver o Inter campeão. Termina de pensar isso e a tragédia começa a se concretizar: gol do Inter. Tudo errado. Aos 47, o Inter ainda amplia, calando o Mineirão.
No intervalo, Hércules vai até o quarto da mulher e pega um cigarro. Ele, que odeia o cheiro daquela merda, que não fumou nem quando os seus filhos nasceram, agora sentia a necessidade de ocupar as suas mãos com algo. Pegou o cigarro e fumou descontroladamente até começar o segundo tempo. Uma reviravolta era impossível. O Grêmio estava mal, o Inter dando show e, mesmo assim, o time do Vitória era muito ruim – e devia estar comprado. Baianos filhos da puta.
20 minutos do segundo tempo e tudo igual. Até que aos 22, a porra do Juninho arranca pela direita passa pelo marcador e acerta um chutaço no ângulo do gol palmeirense. Hércueles pula do sofá, grita, berra, da socos no ar! Ainda está comemorando quando o juiz marca pênalti para o Cruzeiro. Ele não acredita! Yes, we can, man!!! O gol do Cruzeiro foi sofrido: goleiro espalmou, a bola bateu no travessão direito e quicou dentro do gol. A veia do pescoço de Hércules está quase explodindo pelos batimentos cardíacos acelerados. O telefone toca. Hércules atende, sem tirar os olhos da TV. É a mulher querendo discutir o relacionamento. Ele simplesmente desliga. E desliga o celular. Não consegue pensar em nada além dos jogos. O Grêmio está a três gols de ser campeão. 29 anos. 20 em solo americano.
40 minutos. Um filme trágico começa a passar pela cabeça de Hércules, pois o Inter vai sendo campeão. A torcida colorada faz muita festa no Mineirão. O Cruzeiro está atordoado com os chios da própria torcida, a cada passe errado. Na Arena, todo mundo quieto, vendo o time jogar mal e sabendo que o rival vai ser campeão.
42 minutos e o zagueiro do São Paulo erra o passe.
Veiga, um moreninho rápido pega a bola e dispara, dribla o goleiro e toca para as redes do gol vazio. Hércules pula! GOOOOOOOOOOOL, PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!! Ele está extasiado. No entanto, no Mineirão, o Inter ataca. Banzé toca para Marquinhos que chuta no travessão. A pequena torcida colorada faz o estádio tremer. Alguns começam a cantar “é campeão”. No rebote, o Inter segue com a bola. Banzé entra na área e cai. O time vai pra cima do juiz, mas o jogo segue. A defesa colorada está desarrumada e Lucas lança Matheus no fundo. Ele cruza para Moisés surgir por trás do zagueiro e meter a testa. O goleiro espalma para escanteio. Os colorados criam uma discussão pra ganhar tempo. Já passa dos 45 quando Matheus vai para a cobrança. No banco de reservas, os colorados pedem o fim do jogo. Nos Estados Unidos, Hércules está de joelhos na frente da TV. Reza tudo o que sabe, em inglês, português, espanhol e chinês. Matheus põe a bola na área, a zaga afasta e no rebote Lucas acerta uma pancada. A bola desvia no zagueiro Ronaldo e engana o goleiro. GOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL! PORRAAAAAAAAAA!
Hércules está em fora da casinha! Pula, grita, xinga, dá soco nos móveis, quebra a mesa nova que a mulher ganhou da mãe, a vaca. Vira as cadeiras. Até que num flash de lucidez, se da conta de que se o Grêmio não marcar, o Inter vai sendo campeão, caralho! Ele tenta raciocinar – elaborar uma estratégia para ajudar o time a milhares de quilômetros de distância. Termina o jogo do São Paulo. Na Arena, o juiz deu mais cinco. Aos 48, termina o jogo do Inter. Um gol. Ninguém sai do Mineirão. Todo mundo ouvindo o velho e bom radinho (alguns olham o jogo do Grêmio em seus Ipads e afins). Aos 49, falta para o Grêmio a três passos da grande área. Hércules treme. Está pálido. Pede para o Todo Poderoso. Promete que, além de voltar para o Brasil, vai ser uma boa pessoa. Vai fazer serviço comunitário em prol dos pobres e oprimidos até o fim da sua vida. Pingu ajeita a bola. Hércules promete parar de beber. Pingu dá três passos para trás e fica com a mão na cintura esperando a autorização do árbitro. A barriga de Hércules dói. Ele peida e saí um pouco de merda. Foda-se. Pingu corre, a bola vai indo, indo, passa a 2 centímetros da cabeça do jogador que está no meio da barreira, continua indo e explode no travessão. Quica em cima da linha e no meio da confusão Dudu mete a cabeça na bola que morre no fundo do gol.
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLL! CARALHOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!
ÉÉÉÉÉ CAMPEÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOOOOOO PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!


E essas foram as últimas palavras de Hércules, que voltou para o Brasil, para ser enterrado junto com seus pais, no cemitério ao lado do velho Olímpico, na Azenha, em Porto Alegre.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Gonzofest - Day 3

Acordamos e entrei no Facebook. A princípio, a programação do terceiro dia começava às sete da noite, porém, havia uma postagem na página do evento dizendo que o troço todo iria começar às seis. Tive uma discussão de relacionamento com o Gonzinho.
- Gonzinho, precisamos conversar.
- Não fode.
- Gonzinho, esse teu comportamento rebelde não vai nos levar a nada...
- Não fode.
- Gonzinho, seu filho da puta. Quantas vezes já te disse que o Hunter S Thompson, teu criador, odiava os imitadores, aqueles que bebiam e usavam drogas e falavam palavrões desordenadamente achando que se tornariam amigos dele por se portarem como idiotas... Então...
- Não fode.
- Porra, Gonzinho! Tá bom, caralho, vamos ao que interessa: hoje tem jogo do Grêmio, então, vamos voltar mais cedo e...
- Nem a pau! Eu vou perder uma noitada de mulheres pegando no meu narigão e de bebedeira para ver esse teu time de merda! Nem fodendo!
- Gonzinho. Escuta aqui, caralho. Eu sou responsável por você. Não posso te largar sozinho, portanto, eu não estou pedindo, tampouco estou consultando a sua opinião, apenas estou te comunicando que voltaremos mais cedo.
- Vou enfiar meu nariz no teu cu!
É, o Gonzinho tem um gênio difícil. Não tive escolha a não ser pegar ele e enfiar na minha mochila. Ele ficou lá dentro, xingando durante todo o trajeto, feito de busão, até o local do evento.
Aí aconteceu o seguinte: chegamos às seis no Revelry Boutique Gallery, aonde aconteceria a porra toda do terceiro dia. No entanto, fomos os primeiros a chegar e a mulher que estava por lá disse que, na verdade, a expectativa era que o negócio começasse lá por sete e quinze. Ou seja, tínhamos uma hora e quinze de bobeira. O Gonzinho se encheu de razão e berrou lá de dentro da mochila: “eu te falei, ô filho da puta!”. Dessa vez fui eu quem disse “não fode”.
Como o lugar do evento era em Highland, o mesmo bairro da casa em que viveu Hunter Thompson durante a sua infância e juventude, acabei catando o endereço pelo celular e, com o GPS, acabei chegando lá (dinossauros, como eu, também se beneficiam da tecnologia vez em quando).
O bairro é muito bom. Diria que de classe média alta. Tem muitas casinhas daquelas sem cerca com gramadão na frente e é totalmente residencial. Caminhei bastante até achar a casa, que é a última de uma ruazinha sem saída. A tal da casa, como expliquei para o Gonzinho, foi comprada pelo pai de Hunter, Jack Thompson, nos anos 1930. A casa pertenceu à família (Hunter, seus pais e seus dois irmãos) até a morte de Virgínia Thompson em 1998. Agora uma outra família vive lá.
E eis que eu estava fotografando a casa de todos os ângulos, com o Gonzinho me enchendo o saco, querendo palpitar sobre o que eu deveria fazer, quando chegou um vizinho. Ao descer do carro ele veio em nossa direção e perguntou:
- What’s going on? – quis saber.
Expliquei que Hunter Thompson havia morado naquela casa, ao que ele disse, “sim, mas foi há muito tempo”. Eu retruquei que sabia, mas aproveitei e pedi para o cara tirar uma foto minha, já que o Gonzinho estava reinando.
Bom, da casa de Hunter, voltamos para o evento. Chegamos lá na hora e de uma hora pra outra o troço encheu. Conseguimos catar um canto, pois o espaço aonde aconteceria a apresentação do poeta Russel Hulsey era pequeno. Acompanhado por um som meio místico, Russel representou seus textos, muitos fazendo referências ao Hunter e ao pessoal beat, especialmente Alen Ginsberg e Jack Keroac.
Estava tudo indo muito bem, mas a hora de ir estava chegando. O Gonzinho estava lá, hipnotizado pela apresentação do poeta, então, aproximei-me vagorosamente por trás dele, tapei a sua boca e saí correndo para fora do prédio. Já na rua, simplesmente joguei ele para dentro da mochila, que ficou me xingando de todos os palavrões possíveis e imagináveis.
Em casa, tranquei ele no armário, que ficou gritando “Nacional, Nacional!”. Mas não adiantou. Mesmo jogando na Colômbia, o Grêmio venceu por 2 a 0. Como eu tinha pego cerveja no mercado de tarde, o Gonzinho acabou se acalmando e tomamos umas antes de dormir. No fim da conversa ele já estava vestindo a minha camisa do Grêmio e cantando “eu sou borracho sim senhor! E bebo todas que vier! Eu sou do meu tricoloooooooooooooooor! Meu único amor, e da-lhe, da-lhe tricolor!”.
E assim, tudo terminou bem na terceira noite de Gonzofest em Louisville.